domingo, 29 de outubro de 2017

Oeste

Jovens e Peras

Subindo de árvore em árvore
Comendo à sombra mal plantada de um qualquer pomar
Bebendo água morna de um qualquer receptáculo mal lavado
Mãos  braços e pernas repletos de arranhões taciturnos
Que mal chegam a ser desenhos

Assim se fazem oito ou mais horas de trabalho mal pago
Com uma geração nova e intelectual
Num Oeste caduco e desertificado
Onde a vida e a morte acontecem
Sem sintoma nem sobressalto



                                       

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

A-dos-Ruivos

Nos altos da aldeia
O moinho do Toneca
Tratato e erecto
Estende as velas brancas
Acenando ao vento brando

Os visitantes
Quedam-se lá
Tentando enlear os sonhos
Nos mastros alados
Que pouco se mexem
À sua chegada

Quando os ventos sopram fortes
Fantasiados com o pó da terra
Transformam o sonho em vida
A promessa em acontecimento
E o moinho em desejo

O mito renasce a cada visita aos altos da aldeia
E o tempo voa por entre as velas do moinho do Toneca
Numa viagem eterna e constante
Sem sair do sítio

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Adormecer

Minhas pálpebras
Macias e pesadas
Tombam sobre as outras
Que ansiosamente
Esperam pela sua chegada

Agora que adormeço
Parto à descoberta
De uma manhã rosa azul magenta
Onde o sonho se torne realidade
Com toda a sua exuberância

terça-feira, 12 de setembro de 2017

... de viagem

No claro azul do céu
As nuvens olham-nos complacentes

Auscultam a letargia que emana
Do habitáculo em que nos movimentamos

Tentam decifrar
O enigma da viagem de regresso

Como se do fim da festa se tratasse
Naturalmente


segunda-feira, 4 de setembro de 2017

... de viagem

Casa branca pardacenta
Quase sem telha
Porta aberta
Ostenta a ruína a que chegou

Misteriosamente
Convida-me a entrar

Lá dentro
Num escuro denso
Sujidade amontoada
Onde ratos fazem ninhos abençoados

Tenho medo
Daqueles fantasmas endiabrados
Mas a noite ainda não chegou
Vou entrar

Ao encontro do outro lado de mim
Vencer o medo
Bisbilhotar
Como se fosse o sótão da avó

sábado, 2 de setembro de 2017

... de viagem

Restolho
Amarelo
Castanho
Queimado
Pedras
Disformes
Gastas
Cansadas
Sobram
Num monte abandonado


quinta-feira, 31 de agosto de 2017

... de viagem

Num Portugal profundo
Onde afinal
Tudo e nada tem nome
Ergue-se a minha voz
Entranha-se o meu suspiro
Ecoa o meu silêncio
Até que alguém me encontre

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

... de viagem

Sobreiros velhos
Curvados sobre si
Choram a mágoa
Encobrem a vergonha
Do abandono de décadas

terça-feira, 29 de agosto de 2017

... de viagem

Para lá do Tejo
Fica um coração triste
Sombrio
À espera que a brancura da espuma
Lhe leve um pouco de ternura

domingo, 20 de agosto de 2017

Amor

Beija-me amor
Todos os cantos do corpo
Brilhante de suor imenso
Antes que o vento me corte os ossos
Incessantemente
Até à dificil resistência
Que sozinha existe dentro de mim

sábado, 19 de agosto de 2017

Ontem

No esplendor da madrugada, sinto uma mão que me acorda da quase hibernação.
Qual arauto a proclamar uma nova mensagem.
Na semi-obscuridade ergo-me solene e calmanente, ainda meia anestesiada.
Agarro, quase às cegas, uma manta.
Vou cobrir a criança que, diante de mim, sorrateiramente reclama calor.
Sinto, na verdade, que a noite está fria.
Que a terra solitária está,  cada vez, mais árida.
Que o vento do Inverno, se embrulha assustadoramente no Verão.
Inclemente,  sem dó nem piedade.
Enquanto a criança  quer despontar mulher!

sábado, 5 de agosto de 2017

Monotonia

Ainda agora acordei
Cansada do que não fiz
Apenas ouço o canto do passarinho
Que sózinho debica a relva
À procura de comida

Espreito horas paradas
Nos dias vazios
À espera que a noite de orvalho
Dê  lugar ao dia de sol

Esperança doce e singela
De uma manhã sombria
Onde nada se vislumbra
Inebriante






sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Céu

Subo com dificuldade
Erecta
Até ao cume

Atinjo o céu
Tacteio as nuvens
Construo esperanças e valores

Penso que pouco me falta para fazer poesia
Olho p'ra baixo  na busca das palavras
E apenas encontro o ar em que se perdem

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Namoro


O restolho prende os meus passos lestos
Com cautela piso a calçada
À espera que o empedrado
Beije os meus movimentos
Acaricie os meus joelhos
Idolatre a minha passada
E me leve a caminhar
Estoica e docemente
Cada vez mais

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Sesta

Deito-me
Entregue aos humildes braços da sesta
À espera de tudo ser sonho
Entre a monotonia e a exaltação

O calor é muito
Derrete-me as ideias pobres e esquecidas
Enfrenta a semi- obscuridade sem a achar daninha

As gotas salgadas de suor
Escorrem-me pelo rosto até aos lábios
Dedilho-as ponto por ponto
Sinto-as como aperitivo que não ouso tomar

Os olhos ardem-me de tanta hidratação
A pálpebra superior mexe-se na ânsia de os apaziguar
A de baixo permanece inerte na inveja daquele ondular
                                                                                    constante
Tento adormecer
Com ganas de preguiça
Em cima do leito escaldante
Até mais logo
Mas o sono não vem

Como cedro vigilante à beira dos seus defuntos
Ergo-me
Mulher feita de dor e paixão
Mulher feita de pecados

Por hoje
Só a avareza não cabe no meu universo

                       

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Sinais

Não é bom sinal, quando se ouvem sinais na minha aldeia.
Morreu alguém!
Corre-se ao Café da Rosárita ou à vizinha mais chegada.
Para saber quem se finou.
Mas a aldeia está deserta.
Ninguém num horizonte próximo.
Apenas se ouve o vento, como se não houvesse fim.
Apenas se vê a sombra dos que partiram e dos que não existem.
Os matizes bucólicos projectam-se em três dimensões no campo aberto, até ao Montejunto.
Toca o sino na minha aldeia.
Uma realidade semi-imaginada, carregada de dramatismo metálico.
Então, vela-se o corpo, reza-se a missa, enterra-se o personagem.


terça-feira, 13 de junho de 2017

Santo António

À noite
Morcegos circundam meus cabelos
Em círculos alados e constantes

Ao longe
O som rouco de foguetes
Mistura-se com latidos de cães
Que ainda não adormeceram

No jardim
Luzes incendeiam a moleza
Do sono que está a chegar

Lá dentro
As marchas populares
Mascaram a iliteracia dum povo
Que alegremente finge que gosta

terça-feira, 6 de junho de 2017

Susto!

O corpo segue em " Z "
Num tempo que termina
Onde as horas são segundos

Sem demora
Os passos largos e descoordenados
Definem a aflição do momento

Tronco curvado
Atirado contra as paredes
Com sufocações lancinantes
De urso moribundo

Tez vermelha roxa pardacenta
Busca incessantemente a porta de saída
À espera da ajuda
Que não sobe nem desce de elevador

terça-feira, 30 de maio de 2017

Janela de Sonhos

Deito os meus sonhos na cama macia de margaridas.
Sem travesseiro. Sem eira, nem beira.
Adormecem de supetão!

À noite, com o orvalho, acordam sobressaltados.
De tanto sonharem!

Pulam, saltam, brincam. Agitam-se!
Como as cabras no meio das rochas,
no meio dos montes carcomidos,
no meio do nada.

Ainda assim imaginam, confiantes, um amanhã cor de rosa.
Neste tempo sem estrada,
neste sonho sem asas.

E no meio das flores, deixam, a agonia de uma noite inacabada.

terça-feira, 23 de maio de 2017

" Adeus amor "

Aqui moravam a Beatriz e o filho, de sua graça Victor, de sua alcunha " Cagão ".
Filho de pai incógnito, deu-lhe Deus à nascença um pequeno atraso mental.
Não lhe dificultava grandemente a vida mas nunca trabalhou. Nada dotado.
Cumpria, apenas,  escrupulosamente os recados que lhe incumbiam.
Bem ou mal, lá andava aldeia acima, aldeia abaixo.
Sempre bem disposto.
Envolvia as pessoas com o seu olhar perscutante e a sua voz ressonante, que ecoava com um timbre especial. Só ele!
Cumprimentava aqueles de quem gostava com um slogan recorrente - " adeus amor " !!!
Riam-se dele.
Troçavam muito. Intensa e fortemente mas ele, pouco se importava.
Ria-se também e acenava a todos.
Com a sua mão direita fazia movimentos em forma de leque, como se de um rei se tratasse!
Que mais podia sentir aquele coração?
Unicamente a graça do que fazia e a magia da retribuição!
Gente muito humilde, de limpeza imaculada e de uma generosidade característica dos pobres.
Dos seus parcos haveres, faziam questão de dividir e dar aos amigos, o melhor, reservando para si apenas as migalhas.
A Beatriz, já partiu há uns anos.
Morreu no hospital da vila, sem luxos nem mordomias, mas sem lhe faltar nada. Foi tratada, até ao fim, como qualquer um.
O " Cagão " foi para um lar, onde entregava o seu mísero pecúlio, que lhe fora atribuído pela Casa do Povo de então.
No lar, continuava a fazer recados, a andar arranjado e limpo, e a acenar às pessoas.
" Adeus amor " é uma frase singela mas carregada de  emoção e intenção.
Fica-me gravada na memória, para sempre, aquela figura pitoresca. Aquela voz. Aquele olhar.
Aquele menear de tronco. Aquele aceno.
Aquela mão, que tantas vezes toquei!
Amar é um sentimento humilde e o " Cagão " sabia amar!
Sabia dar, o que tinha!
Com fervor!

terça-feira, 16 de maio de 2017

Vida ...

Uma felicidade mentirosa
Encapotada num sorriso perpétuo
Traduz a ironia do destino
A teatralidade da vida
O contexto precário do dia a dia
Num caldeirão que nos consome lentamente
Até à evaporação total

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Simone e Luís

Hoje lembrei-me do Luís e da Madame.
Na verdade, nunca mais soube nada deles.
Venderam aquela casa solarenga e foram-se dali, sem mais aquelas!
Nunca existiram sequelas entre nós.
Tudo correu sempre às mil maravilhas, numa comunhão de afectos e ajuda fora do comum.
Eles e eu.
Eu e eles.
Todos os meus. Pai, mãe, filhas.
Amigos, Odete, Estelita, Rosárita.
Era um desatino de gente sempre a entrar e a sair daquela casa, que a todos inspirava medo.
Menos a nós!
Ali, viviam-se e aprendiam-se lições de vida.
O Luís, atacado de reumático,  já quase não esculpia.
Sentado no seu posto de observação, criticava, dava opiniões como se fosse um adolescente, tecia comentários elasticamente certos ou enfadonhos.
Impunha a sua vontade.
Duvidava dos outros, arrogantemente.
No entanto, era castiço e eu gostava dele.
Castiço, tão castiço!
Castiço. Talvez não seja a palavra certa para o qualificar, mas é o que me ocorre neste momento em que olho para trás e o recordo com carinho.
Eram simplesmente especiais. Ele e a mãe.
A Madame!
Tão francesa! Tão sofisticada!
De físico muito pequeno. Muito bem modelado.
Tinha sido cobiçada e muito amada. Por muitos homens.
Por muitas mulheres.
Até pelo " senhor engenheiro ", seu marido, que morrera em África, numa enxurrada.
Passávamos tardes inteiras a conversar e a rir até às lágrimas.
Inventávamos cenários e histórias, num universo de alegria e cor. O único que nos era familiar.
A Madame sentava-se ao piano e tocava, tocava.
Brilhantemente!
Eu, sentada a seu lado, cantava, cantava. Melodias de Edith Piaf!
Aquelas tardes eram um sonho, um desvario.
Flertávamos, em gestos, actos e imaginação.
Procurávamos, no espelho grande do salão, olhares de cumplicidade.
Tocávamos na pele do mais próximo e sentíamos, instantaneamente, todos os terminais nervosos a excitarem-se.
A pele à volta dos lábios destendia-se, de tanto falarmos e rirmos.
Não havia lugar à criação de rugas e o fígado estava em pleno exercício das suas funções!
Mas tudo tem o seu término.
As tardes, os sorrisos e até a amizade, chegaram ao fim.
Foram-se embora sem deixar rasto. Até hoje.
Mas o Luís e a Madame, permanecem na minha história de vida como uma imagem dantesca, cómica e reluzente.
Ela, estará por certo num velório de um fabiano qualquer, a rir à gargalhada!
Ele, quem sabe, entregue à sua sorte, espera sobranceiro que o dia do juízo final lhe bata à porta.
Eu, quando recordo estes episódios, questiono-me:
- será que poderia ter evitado, poderia ter interferido de
  alguma forma, para que a sua ausência não acontecesse?
Penso nisso.
Penso, penso e não encontro resposta!!!





quarta-feira, 26 de abril de 2017

Soalho

Nestas tábuas onde me passeio para trás e para a frente, dia e noite, rangem meus sentidos húmidos, minhas emoções etéreas.

Nestas tábuas onde me deito e levanto, rangem linhas da minha vida, escondidas ao longo das juntas, que ainda se encontram por betumar.

sábado, 15 de abril de 2017

Lágrimas

Choramos por tudo e por nada
Choramos pelo medo de não sermos úteis
Choramos pelo medo de não sermos amados
Choramos pelo medo do amanhã
Choramos pelos cálculos que fazemos nos saírem gorados
Choramos  pelas vidas difíceis que não gostamos de ter
Choramos pelos Verões com noites de luar que já não nos
                                                                            aquecem a alma

Afinal por que choramos?

Choramos pela vida e pela morte
Choramos por ti, por mim e por todos
Choramos pelos bons e pelos maus
Choramos pelos resignados e pelos conflituosos
Choramos pelos heróis e pelos derrotados
Choramos pelos sorridentes e pelos taciturnos
Choramos por tudo e por nada

Até que as lágrimas cristalizem na fonte!


quinta-feira, 13 de abril de 2017

À tarde

enquanto a esfregona
lambe o rasto dos meus passos
eu,

encostada à parede branca e fria
espero que o relógio
avance lentamente,

até ao fim da viagem fantástica
que vou tecendo
ao lado de minha mãe
..

terça-feira, 4 de abril de 2017

Rua Maria da Nazaré

A árvore ao topo da Rua Maria da Nazaré , na minha aldeia, cheia de luz e de cor, vigia-me os passos.
Silenciosamente.
Rua abaixo, rua acima, quando por ali ando.
Invento passeios, crio dificuldades e lá vou caminhando com passadas, por vezes, trôpegas.
Sempre com o objectivo firme de melhorar.
Mais e mais.

Mas aquela rua também conta com a presença de casas velhas e sinistras.
Abandonadas. Em ruínas.
Onde os pássaros fazem ninhos.
Onde os gatos comem restos.
Onde os ratos entram e saem, sem pedir licença.
Onde as ervas daninhas sobem infestantes, parede a pique, na empena cega da casa de minha mãe.

Mas a árvore, agora no seu esplendor máximo, é mais forte que tudo o resto.
Vigia-me, protege-me, tão sómente. No alto do seu poder.
Não me amedronta.
Oferece-me um festival e proliferação de flor, inigualável!
Oferece-me um conjunto de aromas, semelhantes aos que se desfrutam em aprazíveis e bem cuidados jardins.
Valoriza a minha passagem e cumprimenta o meu pensamento.
Acessível a todos que a olham e lhe tocam, permanece no seu lugar cativo, há anos e anos.

Tantos, que já lhes perdi a conta!

segunda-feira, 20 de março de 2017

Máscara

Hoje sentei-me no sofá da minha sala e olhei aquela máscara que me afrontava.
O que estaria por detrás daqueles olhos perscrutantes e sombrios?
O que quereria encobrir aquela cabeleira longa e desgrenhada?

Pensei.
Repensei.
Não conseguia encontrar algo escondido que me aliviasse a tensão.
Apenas o vento, lá fora, desviava o meu pensamento.

Levantei-me.
Coloquei uma pequena cunha de madeira na porta bambuleante e voltei a sentar-me.

Então, a máscara sorriu-me.
Vi soltar-se, daqueles olhos baixos, faíscas douradas de contentamento e alegria.

Aliei-me ao seu estádio e por fim, novamente sentada, esperei que ela me viesse confidenciar o seu segredo.
Esperei, até agora, mas nada ouvi.

Sem inquietação continuo à espera.
Simplesmente!






terça-feira, 14 de março de 2017

Calçada

Palmilho léguas e calçadas
Sem distância e sem caminho
Na ânsia de encontrar
Lenta ou rápidamente
Um sonho silencioso
Um pensamento próximo
Uma razão de existir
Uma palavra amiga
Um mistério por desvendar
Um sonho por construir

quarta-feira, 8 de março de 2017

Mulheres, vocês são todas, amorosas!

Homenagem a um amigo, que não vejo há 20 anos:

" Mulheres, vocês são todas,
  amorosas!
  Mulheres que são
  Mães.
  Mulheres que o não
  são.
  Mulheres com todos os
  nomes.
  Mulheres, vocês são todas,
  amorosas.
  Mulheres que são
  flores,
  de um jardim
  cada vez mais
  perdido.
  Mulheres, todas vocês que conquistaram
  respeito,
  reconhecimento,
  lugar próprio,
  no Universo do Mundo.
  Mulheres, vocês são todas,
  amorosas.
  Mulheres, por tudo, merecem
  ser
  felizes.
  Mulheres, neste dia,
  como homem,
  curvo-me, perante todas,
  pela dignidade
  conquistada e
  merecida,
  neste assinaladon
  Dia Internacional da Mulher! "

Poema escrito por João Matoso

segunda-feira, 6 de março de 2017

Lisboa

Continuo a fotografar
Coisas e gentes
Sítios e locais
Onde as almas
Vivas ou mortas
Sejam uma presença
E a história
Seja um pilar
Na nossa memória

sexta-feira, 3 de março de 2017

Espera

Ó Deus
Deixa-me ver-te
Na minha súplica constante

Deixa-me sentir-te
No meu clamor imenso

Deixa-me abraçar-te
Na minha vontade profunda

De te dizer cara à cara
Que solitariamente te espero
Todos os dias

quinta-feira, 2 de março de 2017

Dor Menor

O amor e a amizade são
Transversais à idade, à raça, à crença
Solidários à adversidade, ao sofrimento, à insónia

Intempestivos no modo de estar na vida
Com fortuna ou pobreza
Com cultura ou sem ela
Com palavras ou silêncios
Com dor ou incerteza
Com saudade ou solidão

O amor e a amizade vivem
Na busca agitada de uma vida por viver
Na ânsia de recordar o que já foi
Na memória, com mestria, dos seus momentos mais belos

O amor e a amizade superam
A força de sermos nós
O afastamento
O caos das palavras
A origem do livro, do quadro, da música

O amor e a amizade crescem sempre
Em lugar vazio
Em ideias convergentes
Na procura do encaixe perfeito no outro
Na viagem, na aventura
Na coragem necessária para dizer sim
Na provocação de dizer não

O amor e a amizade são
Uma sinfonia com vários andamentos
Onde a mão do indivíduo constrói
Espaços únicos, surpreendentes
Num mundo em dor menor!


quarta-feira, 1 de março de 2017

Queda

O meu coração bateu tão forte, quase me saltava pela boca.
Caí nos degraus de mármore, desamparadamente, no meu prédio.

No branco da pedra limpa, ficava a vontade de me levantar, com medo do escuro que se fazia ver.
Com medo do que pudesse advir daquele infausto momento.

Arrastei-me de rabo e consegui entrar em casa, silenciosamente.
Chorosa, clamei por ajuda, que não se fez tardar.
Cabeça atordoada, não sabia muito bem o que balbuciar.

Olhava para os joelhos com dois hematomas e tudo na minha frente, por entre lágrimas salgadas, passava vertiginosamente:

Médico, luz, sombra.
Sonho, escrita.
Som, televisão.
Vida, morte.
Amor, mistério.

Em flashes, muito rápidos, que davam vida e cor à pouca vontade de reagir.

Partilhava as emoções com quem me estava, ali, a ouvir.
Incentivava-me à contenção, mas aquelas palavras pareciam-me lúgubres, de um poema mal acabado.
Saíam em catadupas de uma boca amiga, mas nada me transmitiam naquele momento.
Apenas  a incerteza do que se estava a passar,  e a sensação de dor e medo, me perpassavam aguçadamente.

Reflectia na minha história, uma história que atravessa histórias, com belos momentos de prazer e liberdade.
Outros, de uma reflexão e interrogação intrínsecas.
E eis que a vida mais uma vez me surpreendia!
Neste momento de inquietação, resta-me apenas confirmar o diagnóstico e manter-me tranquila.

Amanhã é outro dia.
Luminoso ou não, de preferência nítido, onde possa ver os
efeitos da luz, o branco e o preto em fundo transparente, como se tudo tivesse sido gerado no nada, ou na noite!

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Insónia

Acordei às três da manhã, sobressaltada.
Estava a sonhar e a cama abanou-me o corpo frágil.
Pulei para o chão, cuidadosamente, e escrevi:

" Nas asas do sonho vai o pensamento,
   volátil, diáfano, etéreo.
   E eu,
   fico na soleira da porta
   à espera de encontrar
   o que perdi. "

Voltei a deitar-me, sem sono e sem vontade.
Até ao momento em que o dia me interpelou.
.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Carnaval

Entre papelinhos e serpentinas solta-se-me o brilho dos olhos, reflectido no espelho da vida.

Episódios permanentes ou temporários desabrocham das profundezas da imagem..

Cursos de água sem princípio nem fim, contrastam com os magentas e sépias na envolvência deste quadrado onde me sinto.

No abstracto do pensamento e no figurativo do momento, com todas as suas variantes, construo mundos deixando bem vincada a forte componente cultural que lhe é intrínseca.

Servem estes dias para muitos andarem disfarçados. Para outros representarem o papel de sempre,

          pálido, monocórdico, embriagado!

   


     

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Oração

Rezo, todas as noites.
Com uma vontade enorme de me encontrar com Deus.
Pedir-lhe ajuda e companhia.
Sinto-o bem perto mas não o vejo!
Ciente do valor do seu poder e profundamente emocionada,  mesmo que por minutos poucos, estico-lhe a mão.
Rogo-lhe a oferta do dia seguinte,

com saúde e paz
com amor e emoção
com fascínio e liberdade
com objectivo e sem mágoa
com alegria e bondade

Sem tentações, vou deixar-me levar pela paixão e acreditar que o futuro poderá vir a ser um pouco melhor,

sem tristeza nem dor
sem mácula nem condição
sem sombra nem infortúnio
sem choro nem submissão

Acreditar, apenas , que um mundo com tecto e sem solidão ainda pode existir,

nos terraços das cidades
nas eiras das aldeias
na dolorosa intimidade dos amantes
no sonho desnudado

e que a crença, a esperança e o amanhã nos incendeiem a tranquilidade rotineira das nossas vidas frouxas!

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Estou farta!

Estou farta
De esperar que a noite passe, depressa
Que os meus olhos almejem um pirilampo no escuro
Que o alcatrão se transforme em oceano
E que a tua água se misture na minha
Correndo tranquilamente até à foz!

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Dia dos Namorados

O amor é uma vasta e diversificada sementeira.
É um imenso campo de flores.
É uma travessa recheada de chocolates.
É uma paleta de cores na mão do artista.
O amor é prender com gosto a cara ao infinito.
Aguardar com calma e responsabilidade o amanhã.
Por forma a sermos cada vez mais amantes.
Por forma a sermos cada vez mais UM!

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Danças e andanças!

No rescaldo de uma actuação de dança, mãe e filha amparam o cansaço pelo desgaste despendido.

Aquele é o mundo delas, ou melhor, o mundo dela.
Com o tempo muito ocupado com as tarefas escolares, ainda assim não descarta atenção e interesse à sua dança contemporânea.
Não se consegue desligar daquela realidade dura, por ser ao fim de um dia de intenso labor, e incentiva tudo e todos a entrar numa corrida vertiginosa, quase alucinante!

Dança contemporânea, ballet, cha-cha-cha e outras andanças que eventualmente virão!
Tudo isto não passa impunemente pela pequena dançarina, que tenta cativar com carisma e verdade, aqueles que a rodeiam.

Gera laços, alguns até impensáveis.
Vive cenários, imagina discursos, lidera processos.
Coerente, apesar dos seus tenros dez anos, verbaliza ter pena que este Mundo, que é o nosso, não tente proteger e honrar mais a cultura.

Neste caso concreto, a Arte de Dançar!!!

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Vira o disco e toca o mesmo

Era uma adolescente inexperiente.
Alegre, risonha, comunicativa, bem disposta.
Amiga de brincar, cantarolar e dançar.
Bonita e com algo sedutor, ao tempo.
Atrevida e misteriosa.
Tornava-se assim numa personagem querida por todos.
Não tinha maldade e a generosidade era um predicado que lhe era inato.

Familiares, vizinhos, amigos, novos e velhos, letrados e menos cultos, todos repartiam com ela, afavelmente, beijos e abraços ao longo da aldeia.
Quando chegava e quando partia.
Contavam-lhe os seus dramas, procurando nela conforto e incentivo para a resolução dos problemas.
Agradava-lhes que aqueles olhos grandes pousassem nos seus como dois holofotes, e que aquele sorriso, rasgado, lhes proporcionasse a redenção para os seus pecados.

Aquela miúda, magra e bem composta, que ia de Lisboa para a aldeia sempre que havia férias, era sem dúvida uma garota feliz.
De personalidade forte e apaixonada, determinada, por vezes até controversa.
Possuía muitas coisas que não existiam na aldeia.
Entre elas um gira-discos, onde os pequenos vinis ( Elvis Presley, Paul Anka, Pat Boone e outros ), rodavam ao domingo à tarde, sem parar.
Na casa da Albertina.
Devoluta, na rua de seus avós que, com a influência prestimosa de seu pai, lhes foi emprestada para esse fim.

Foi uma fase importante da sua vida.
Ali se juntavam rapazes e raparigas, daquela e de outras aldeias, para passar as tardes de domingo.
Chegava a ser obsessiva a ideia da chegada do domingo à tarde.
Ela, queria estar lá e ser a anfitriã!
Reforçava laços de amizade entre todos.

Assim nasceu uma tertúlia, num tempo risonho, sem dramas nem complicações.
O tempo rolava e a casa da Albertina adquiria a tendência natural de alcançar o seu auge.
No pico máximo da sua existência, apareceu um bonito rapaz, de olhos verdes que depressa se apoderou de amores pela rapariga e aí começou a nascer um mundo de mudança.

Começava a dizer-se adeus aos tempos de antes.
Ele, era muito ciumento. De tudo e de todos.
Ela, já não podia ser a jovem alegre e comunicativa de antigamente.
Os domingos estavam a morrer na casa da Albertina porque os dois, eram então, namorados!

A adolescente combativa viu, passados dois ou três anos, o desmoronar da casa onde tantas horas tinha vivido alegremente.
Deu a notícia aos amigos que, tragicamente, encararam a realidade.
Acabou-se, não há mais tardes de domingo!
Ficaram fulminados com a notícia.
Cada um teria que encontrar novo caminho, nova diversão.

Os dois namorados continuavam mas ele ia pagando o preço amargo do seu ciúme doentio!
Ela, continuava a olhar o mundo com olhos de uma esperança arrepiante.
Esperava, até, convictamente, que o namoro acabasse.
E assim foi, um belo dia em Lisboa teve o seu término.
Sem solenidade. Sem enfatismo. Naturalmente.

Em Dezembro passado, teve conhecimento que o gira-discos continua lá na aldeia, na posse de um primo bêbado que, sem álcool, lhe prometeu devolver-lho!!!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Ensaio do Coro

Entoo notas
Baixinho
Ao sabor do vento
Que desastradamente me empurra
P'ra baixo

Em sussurro
Pergunto
Com o amargo da imperfeição
Onde encontrar as notas da música
E o momento certo de as colocar

Procuro no mundo inteiro
Entre nuvens e céu
Entre terra e mar

Só em casa
Pausadamente
Enxergo a clave
Que dita o tom da canção





quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Tu


(by Carlos Alexandre, acrílico sobre tela)


Observas o mundo
Através das pinceladas mágicas do artista
Com olhos atentos
Confiantes

Ao longe
Vislumbras uma auréola esbatida
Que te envolve o pensamento
E te molda a imaginação

Com teu sorrriso frequente
Partilhas o retrato com o pintor
Que ficará para sempre
Suspenso na parede


terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Comércio local

Encostei-me à frontaria de uma loja encerrada.
Estranhamente pensei, porquê?
Não conseguia encontrar o motivo.
Nem a verdade, nem a mentira!
Mesmo que puxasse pelas minhas pequenas lembranças de Feng Shui!

Amparava com o corpo os silêncios escondidos por debaixo daquela grade blindada.
Fechada, tão sómente.
Sem ajuda, nem força para se erguer, como fazia habitualmente todos os dias.
Soluçava às pedras da calçada por auxílio.
O que mais queria era desmistificar a complexidade da evidência! Seria possível?
Nem eu sei!
Poderia, mentalmente, formular perguntas e inventar dúvidas que se traduziriam em nada.
Apenas que aquela grade fechada, valorizava o que, certamente, ainda se encontraria no seu interior.

A verdade é que, após algumas semanas, a loja, a grade, a ourivesaria, encontram-se definitivamente fechadas.
Sem que possamos descomplicar a situação que para mim é, de todo, um bicho-de-sete-cabeças!

sábado, 28 de janeiro de 2017

Chiado

Fomos passear à Baixa. Há quanto tempo não o fazíamos!
O bulício do Chiado invadiu-nos de uma forma comovente.

Apanhámos um táxi em Benfica que, com uma condução cuidada e um diálogo afável por parte do jovem motorista, nos deixou à porta da Brasileira.
Lá, para além de Fernando Pessoa, esperavam-nos três amigos.
Recém chegados de Sheffield e instalados na Praça do Município, mostravam desassombradamente o seu contentamento por estarem em Lisboa.

Apesar do Inverno, o fim do dia estava repleto de agitação.
Talvez por se tratar de uma sexta-feira e fim de mês.
O sol não brilhava.
Tinha chovido.
Mas o vento e o frio gélido que se tem feito sentir, tinham-
-se escondido atrás da calçada portuguesa que, de tão polida e brilhante, me impunham algum respeito!

Conversámos  um pedaço de tempo. Gostosamente!
Tomámos café, trocámos livros e informámos quais os ex-
-libris da cidade.
Já na rua, despedida, beijos desencontrados, abraços calorosos.
Deambulavam, por ali gentes, como nós, em encontros de fim de tarde, procurando o lenitivo para a sua semana de intenso labor.

Resolvemos então, tal como alguns, descer sorrateira e vagarosamente até ao Rossio.
Em ambiente feérico, as lojas abertas eram, para quem comprava, templo de felicidade e harmonia.
Conversas persistentes, em línguas várias, faziam a parafernália da comunidade que se estendia naquela Praça.
De facto, Lisboa está na moda. Pensava!

Aos Amigos Steve e Adrianne um obrigado por nos terem proporcionado esta saída, onde os transeuntes babam promessas esvoaçantes, as crianças trocam sorrisos sinceros e nós, ficamos sob o olhar atento do Poeta, à espera da próxima vez!


quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Artesãos

Somos uma família de artistas.

Tocadores de cordas e sopro.
Escritores e pensadores. Prosadores e poetas.

Pintores e desenhistas.
Fotógrafos e contadores de histórias.

Cantores de fados e coralistas.
Ginastas e dançarinos.

Cozinheiros e operários.
Investigadores e engenheiros.

Somos de tudo um pouco.
Certo ou incerto, como a própria vida.
Cedo ou tarde, como a própria morte.
Sincero ou hipócrita, como o próprio amor.
Rosa ou cinzento, como a própria aurora.
Seguro ou indecifrável, como a própria noite.
Que tomba sobre nós.
Pesadamente.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Espaço AmArte

Década de 90. Anos de mudança, decisivos na minha vida.
Muita coisa tinha acontecido.
Muita coisa iria passar-se, deixando esvoaçar retalhos do passado.
Adaptação, escolha, continuação de uma vida ainda por viver.
Procura de um novo rumo, procura de um novo sítio. Procura de alguém para partilhar afectos.

Recordava os olhos de meu pai, chorosos e embaciados, ao ver-me partir.
Recordava o silêncio de minha mãe, num recado mal construído e que ficou por dar...
Profundamente comovido e com poucas palavras, meu pai dizia:
" Escolhe com critério o teu caminho e com cuidado as
   amizades
   A cidade de onde vieste e para onde vais, é dantesca no
   mal.
  O bem, nem sempre se encontra ao virar de uma
  esquina ".

Mas eu vim. Sem medo.
Tentando condicionar o meu quotidiano àquilo que eu mais queria e sabia fazer. Arte!
E com ideia profunda neste ofício, fi-lo. Imediatamente!
Av. da República, Rua do Salitre, Praça d'Alegria, Av. do Colégio Militar, Areeiro e por aí fora...

Que lugares eram esses?
Eram pedaços de chão onde, a amabilidade e o diálogo tranquilo emergiam naturalmente.
Nas paredes que sustentavam o habitáculo, descobriam-se quadros. Esculturas, instalações. O que fosse!
Desnudavam-se a profundeza e intimidade de pintores, músicos ou poetas!
Em dias de " vernissage " ali se debatiam e cruzavam as grandes forças e dúvidas do Universo.

E eu, por vezes alheia a tudo e a todos, tentava não transparecer as minhas angústias interiores.
Sempre sorridente.
Momentos havia, em que encostava o rosto às paredes, dialogava com os quadros, vestia a sua roupagem, remexia memórias e fazia do meu trabalho uma música celestial.

Com esforço, palavras, formas, cores, sentidos, luz e sombras, construí a vida que tenho hoje.
Construí um palácio para viver.
Não  o  " Palácio da Lua " de Paul Auster.
O meu palácio!!!
.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Night Window

Acordei,
com o vento forte e a vidraça aberta.
Deixei o pensamento pendurado no caixilho da janela,
 com medo  que a noite o levasse para longe de mim.
(pintura de Edward HOPPER)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

A comida e os afectos

Os meus netos são o alimento mais gostoso e suculento que jamais conheci. Indubitavelmente!

Quando me olham, com ternura, fazem-me recuar no tempo.
Recordo, logo, o arroz doce da Avó Mina. De lamber os beiços.
Delicioso!
Assim é aquele abraço. Bem apertadinho.
Quente. Até que os ossos derretam!

Quando ficam impacientes, com fome, vem-me à memória o pato corado no forno de lenha.
Cozinhado em tabuleiro de barro bem untado.
Com linguiça por cima. Estaladiço.
De comer e chorar por mais!
Assim são os seus beijos. Infindáveis, às vezes.
Brincalhões, provocadores. Cómicos, até!

Quando o sono aperta e o desespero mostra a sua rebeldia,  nada mais posso recordar do que o néctar de Baco.
Pisado na velha adega do Sr. Joaquim. Dias e dias.
Era uma festa!
Cantigas, risos e falas acompanhavam
aqueles movimentos cadenciados, até à exaustão.
Nada de martelo. Puro!
Bom grau. Encorpado. Para consumo da casa.
Fazia-nos adormecer ou trocar os pés quando, não habituados, bebíamos um pouco exageradamente.
Assim acontece com os meus pimpolhos.
Um, adormece em serões de família, mesmo que o entusiasmo teime em não fechar-lhe as cortinas.
Outro, adormece no carro. Mesmo em alturas pouco próprias.
Longe de casa, sem condições de ser transportado até à cama que, indiferente, o espera.

Quando rejobilam de alegria, levam-me ao Verão.
Às vindimas. Ao rabisco!
À Mata do Caetano.
Às gargalhadas na eira, ao luar.
Aos domingos, a mastigar tremoços e pevides, à porta da Rosárita.
Ao adro da Igreja do Senhor Jesus, onde os namoros começavam!
À feira d'ano, no 15 de Agosto, a macerar cavacas. Das Caldas!

Enfim:

     " A comida e os afectos são como os irmãos "
     " Pela barriga se conquista o homem "
     " Pelo amor se constrói o mundo "

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Why not?

Ontem estreei os meus ténis, oferecidos no Natal.
Lindos. Cómodos. Andar de pantufa..
Pisava o alcatrão mal construído, como quem fazia uma tarefa facilmente exequível.
Quentes. Largos. Castanhos.
Não me apertavam as linhas que, por vezes embaraçadas, cruzavam o destino de meu corpo.
Senti-me muito bem com eles mas percebo que a questão seja complexa. Para quem não gosta ou não usa ténis.

É como o casamento.
Para quem permanece, anos a fio, agarrado ao celibato.
Solteiro só porque sim ou talvez não!
Casamento.
Entre pessoas do mesmo sexo.
Entre pessoas de sexo diferente.
Tanto faz!

Terão que caminhar, correr ou saltar, confortavelmente, em alcatrão liso ou esburacado.
Em estrada de terra batida ou em tartan.
Onde são olhados com algum escárnio.

Os meus ténis, com seus atilhos, poderiam ser a representação  de uma sociedade aberta ou fechada, onde os passos iriam sendo dados sem fenómenos sugestivos.
Poderiam fazer do seu, o meu caminho.
Poderiam fazer Lei!
Onde, solteiros ou casados, pretos ou brancos, pequenos ou grandes, homo ou heterossexuais, pudessem caminhar confortavelmente.

Por tudo isto, acredito que ainda haja muita gente pouco conhecedora.
Não sabem como é bom andar livremente.
De ténis.
Sem pena. Sem dor. Sem indignação!

sábado, 14 de janeiro de 2017

A minha cadeira

Design António Laureano.
Chamámo-lo a nossa casa.
Colocámos dúvidas, ideias. Trocámos opiniões.

Pedimos que se deixasse inspirar pelos móveis que já vestiam as paredes daquela sala.
Volvidos dois ou três encontros, mostrou-nos alguns esboços. Mobiliário rectilíneo, moderno, minimalista!
Integrava-se, em tudo, no peso dos anos e história impregnados naquelas estantes de madeira antigas.

Fazíamos, sim, questão, que a história daquele local, não se afogasse naquele aparato moderno que nos era sugerido.
Conversámos. Pensámos. Acabámos por gostar.

Pedimos-lhe algum critério no trabalho.
Que o fizesse com afinco, com amor e nos trouxesse rapidamente uma mesa. Grande.
Onde pudéssemos juntar a família à volta do repasto.
E cadeiras!

Ao cabo de umas semanas, poucas, ei-las!
A mesa, completamente lisa. Tampo de vidro.
Quatro prumos em forma de pernas.
Austeros, resistentes. À antiga.
As cadeiras, um pouco menos militarizadas.
Mas igualmente aprumadas e disciplinadas como se estivessem na parada!

Este mobiliário, perene, ao longo dos anos, tem alojado muita gente.
De todas as idades. Cores e credos.
Junta-se, discretamente, às prateleiras já existentes e faz a sua própria história.
Convida poetas e pintores. Médicos e loucos. Crianças e adultos.
De tudo se tem falado. Sem tabus, sem pudores.
Discute-se amor e paixão. Sofrimento e política. Guerra e morte. Nascimento. Crenças e descrenças.
Fica sempre o rastilho para a próxima vez!

A minha cadeira, agora, tem uma almofada ortopédica.
Alta. Especial.
Calada, ouve os meus temores.
Por vezes, pede-me contenção nas palavras.
Acolhe, sem rancor, os meus anseios.
Com a tolerância de quem se deixa amolgar, aguarda paulatinamente que o tempo a transforme em memória.
Para, tal como os móveis, poder contar a história!