quarta-feira, 10 de novembro de 2021

A prima ...

 Margarida ... a prima que alguns gostariam de ter tido.

Estava todos os dias lá, a seguir ao almoço. 

Comigo, com a minha mãe, com as minhas filhas ... sim, especialmente com elas, as meninas! 

Tinha pouco dinheiro,  e o pouco que tinha era-lhe sugado pela mãe,  com quem vivia e a quem tinha que obedecer como se fosse uma criança. 

Divorciada, de idade pouco perceptível, tinha uma filha adulta que pouco ou nada lhe ligava. A Maria.

Seca, franzina,  sem apelo nem agrado, vestia quase sempre uma saia de tecido espinhado preto e branco, que lhe caía corpo abaixo, evidenciando a falta de curvas. Na cintura, um alfinete de dama apertava o cós que lhe sobrava, com a desculpa de que perdera o botão.

À minha mãe fazia recados. Muitos.

A mim, adorava-me, como qualquer crente venera o mistério de Deus. 

Ao meu pai, escutava-o respeitosamente e colhia das suas palavras sábias alguns ensinamentos úteis. 

Com as meninas, rejubilava quando as via. Eram o seu entretenimento primeiro. Depositava nelas um carinho mal amanhado, que não soube ou pode dar à sua própria filha.

Todos os dias, antes de chegar a nossa casa, com umas parcas moedas guardadas no corpete, comprava dois pequenos chocolates para dar às meninas, que escondia (para a mãe não ver) nas palmilhas dos sapatos. Cambados de tanta velhice. 

Entrava em casa e cumprimentava todos com um ridículo mas afectuoso " Trolaró ".

Sorrateiramente fazia a boa acção do dia, satisfeita por poder dar prazer e alegria, com a dádiva dos Táxi's. Assim se chamavam os chocolates.

Hoje, volvidos muitos anos, no manto da noite recordei este episódio que me deixou nostálgica.

Sem monumentalidade.

Apenas com a certeza do afecto que somos capazes de nutrir por alguém. 

" Trolaró ".


segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Guadiana

No espelho d'água 

Vejo-me livre do mal

Despida de medo

Vestida de amor


Irrequieta

Misturo-me com a natureza

Contemplo o céu 

Espero que a noite caia

E as estrelas me beijem