quarta-feira, 26 de outubro de 2016

O meu pai morreu primeiro

Paciência. Muita.
Todos os dias, horas, minutos, segundos.

Debruçada sobre a idade de minha mãe, contemplo aqueles olhos exaustos, bonitos, tristes, presos aos novelos de lã como quem agarra a derradeira curva da vida.

Mulher de grande ambição, disfarçada, abortou conscientemente seus desejos e sonhos.
O prazer ou a obrigação levou-a a estar ao lado do seu companheiro. Em todos os momentos.

Assim, trocou o bulício da cidade pela tranquilidade do campo, como quem desprende, com dificuldade, o espinho da roseira que lhe vai ferindo a vida.

Meu pai, em altura conturbada do país, deixou para trás um colorido final de carreira e rumou a uma pequena aldeia no Oeste Português.
Desertificada, quase sem vida, onde os cães ladram à passagem do vento fugaz. Onde os funerais ainda se fazem a pé!

Partiu há dois anos, desejando pacificamente que o final fosse rápido e tranquilo.
Não levava consigo culpas ou maldades, apenas o brilho do despertar de uma manhã de sol.
Julgamos, todos, que assim foi. Sereno!

Minha mãe continua connosco.
Espera-nos sempre mas só nos encontra aos fins de semana, feriados ou em algum dia especial. Ou nalguma efeméride.

Apesar disso, recebe já com pouco entusiasmo o beijo leve, o abraço brejeiro, o olá carregado de um sentimento profundo.

Então, nesse momento, é preciso amansar a irreverência da idade, contrariar a teimosia da infância, desfazer o peso dos anos, enfim, é preciso ter muita paciência!

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Outono

O meu tempo tem sido sem brilho e envolto em muitas preocupações.
Sempre com o slogan do optimismo, é certo, em todas as situações, mas com cuidado.

Agora, já é Outono. Gosto, apesar dos dias já se fazerem sentir de Inverno. Mais pequenos.
Cinzentos, de alguma chuva, com menos luz.
O sol promove, envergonhadamente, a sua aparição e o castanho parece ser a colheita do dia.

As cautelas que me assistem enormemente, trazem-me à lembrança sonhos insatisfeitos que não vos revelo.
De criança, de adolescente, de mulher.
Apenas sonhos!

A prudência tolda-me a vontade de fazer algo, audaz e diferente.
É triste. Sempre assim foi.
Resta-me apenas, com o verde da esperança, pintar os meus dias de cor-de-rosa.
E onde ficam os dias? E o verde? E o rosa?

Dependurados numa criança calada, tristemente à beira-mar.
Espera por algo que não vem.
Uma brisa ligeira que lhe afague o rosto.
Uns salpicos de ondas que lhe sequem as lágrimas.
Um Sol primaveril que falsamente existe.

E assim, como sempre, cresce em liberdade dentro de mim o augúrio de um mundo risonho.
Tal como dizia Jean-Paul Mestas:

     " Um mundo no Coração ".