quarta-feira, 1 de março de 2017

Queda

O meu coração bateu tão forte, quase me saltava pela boca.
Caí nos degraus de mármore, desamparadamente, no meu prédio.

No branco da pedra limpa, ficava a vontade de me levantar, com medo do escuro que se fazia ver.
Com medo do que pudesse advir daquele infausto momento.

Arrastei-me de rabo e consegui entrar em casa, silenciosamente.
Chorosa, clamei por ajuda, que não se fez tardar.
Cabeça atordoada, não sabia muito bem o que balbuciar.

Olhava para os joelhos com dois hematomas e tudo na minha frente, por entre lágrimas salgadas, passava vertiginosamente:

Médico, luz, sombra.
Sonho, escrita.
Som, televisão.
Vida, morte.
Amor, mistério.

Em flashes, muito rápidos, que davam vida e cor à pouca vontade de reagir.

Partilhava as emoções com quem me estava, ali, a ouvir.
Incentivava-me à contenção, mas aquelas palavras pareciam-me lúgubres, de um poema mal acabado.
Saíam em catadupas de uma boca amiga, mas nada me transmitiam naquele momento.
Apenas  a incerteza do que se estava a passar,  e a sensação de dor e medo, me perpassavam aguçadamente.

Reflectia na minha história, uma história que atravessa histórias, com belos momentos de prazer e liberdade.
Outros, de uma reflexão e interrogação intrínsecas.
E eis que a vida mais uma vez me surpreendia!
Neste momento de inquietação, resta-me apenas confirmar o diagnóstico e manter-me tranquila.

Amanhã é outro dia.
Luminoso ou não, de preferência nítido, onde possa ver os
efeitos da luz, o branco e o preto em fundo transparente, como se tudo tivesse sido gerado no nada, ou na noite!

6 comentários:

  1. Pelos vistos, no Mundo de Eran, também há trambolhões que assustam mais do que doem, porque a dor alheia que cada um sente é sempre menor do que realmente é. De qualquer modo, sem dor, não há criação digna de nota, e o teu texto é luminoso, mesmo sendo noite e não ainda o novo dia de amanhã.

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    1. A dor é uma sensação muito subjectiva.
      Cada um, sente e reage à sua maneira.
      Não há como avaliar a dor do outro, nem mesmo quando se passa por situações semelhantes!
      Obrigada pelas palavras quanto ao texto.

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  2. Estou aqui a pensar que o problema pode estar nos olhos e não nos pés...

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    1. Tens razão.
      Não posso retardar mais a cirurgia!
      O olho esquerdo está a fazer-me muita falta.
      Haja paciência para tanto médico!!!

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  3. Mais um pequeno mas brilhante texto, imerso na perfeição da simplicidade, vestido com palavras que sabem contar os sentimentos da alma...
    Assim é a Literatura!

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    1. Como deves calcular escrevo ao correr da pena, sem artifícios ou palavras rebuscadas, apenas com a verdade e a emoção do momento.
      Quando assim é, creio que a crónica é bem sucedida!

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