quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Ninguém sente o que escrevo

 Ninguém sente o que escrevo

Escondo o caderno na lantana já sem flor

E o lápis no buraco da árvore 

O pássaro esfomeado 

Leva no bico os pontos dos " is "

Todos

Não consigo completar as palavras 

Nem as estrofes 

Dilui-se o pensamento na relva húmida 

Ninguém sabe o que escrevo

Só tu

Mão escondida na oliveira



sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Baleal

Atordoada

Atravesso no local habitual

Degusto meia dúzia de degraus polvilhados de fina canela

Enterro-me na areia escaldante

E num mar gelado que me fustiga as pernas 

Contente

Canto baixinho para que ninguém me ouça 

Danço pequenos passos ao sabor da rebentação 

Ao longe vislumbro a  Berlenga 

Risonha e poética 

Olho de novo o mar

Com a brisa que se faz sentir ao fim do dia 

Fico a cobiçar a mulher gorda 

Que de soslaio me sorri

E corre a  mergulhar 






quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Flores de laranjeira

 Choram os casados e os que não têm noiva

Choram os solteiros e os divorciados

Choram os viúvos e os bem intencionados

Choram as florestas nos incêndios 


Chora a laranjeira toda branca


E as flores caídas no chão 

São grinaldas ao sol

Que a chuva e o vento desfazem






segunda-feira, 19 de junho de 2023

Jardim

 Estendo roupa no telheiro

Do céu caem pingos de chuva

Bêbados e incertos

Molho os pés 

A relva olha-me fresquinha 

Em casa a panela fumega

A salada espera o tempero certo

De pés nus e corpo meio vestido

Quero oferecer- te uma fatia de jardim

Para sobremesa


quarta-feira, 3 de maio de 2023

Saudade

 Saudade é mar 

É barco sem rumo

Sem vela sem esteio 

É lição de amor

É mágoa 

É refúgio 

Que navega ao vento

Perdido 

Sem tempo


segunda-feira, 17 de abril de 2023

Ontem

 Afundo pensamentos na caruma seca dos eucaliptos

Sinto o rumor das palavras ao longe

Levadas e devolvidas pelo vento

Misturam-se sentimentos maus e bons

O lusco-fusco esbate as imagens menos lúcidas

Inspiro o cheiro a mato que me embebeda de ilusão 

O amor só começa à entrada da porta

Quando quiseres 




quarta-feira, 12 de abril de 2023

É Primavera

Desponta a Primavera

O cheiro a flores amacia-me os passos

Caminho

Penso no lapso efémero da vida

O sol brilha tímido 

Oferece-me um verde esperança 

Entre risos lamentos lágrimas e sonho

Abre o meu coração ao mundo

Rumo ao Verão 

À espera que a poesia dos teus braços 

Reparta

A magia de renascer


terça-feira, 7 de março de 2023

Descanso

 Descanso as ideias e o corpo

Descanso o pensamento e o medo

Descanso as lágrimas e os suspiros

Descanso o pesadelo e o sonho

Descanso a tempestade e as notícias 

Descanso a intolerância e a maldade

Descanso o cansaço que me resta

Descanso até o cansaço descansar definitivamente 


 


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Oeste


O sol nasceu

A azeda floriu

Trinquei o trevo

Fiquei feliz 

O vento trouxe-me lembranças

Dos bons sabores do passado

E a meus pés 

Outra azeda floriu


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Um banco

Duas pedras uma tábua 

Encostadas a uma parede velha

De uma adega não menos decrépita


Sempre pronta a receber forasteiros

A ouvir histórias hilariantes e falsas

De quem bebe vinho como água 

De quem apanha uma taínha por espadarte

De quem por cortesia diz bom dia

De quem por triste sina não tem eira nem beira

Duas pedras uma tábua 

Encostadas ao tempo 

À espera da intempérie 

Do cansaço do trabalhador rural

De um casal de namorados 

À espera de um viúvo que cisma com a vizinha do lado

Um banco

Sem ninguém que lhe ligue

Retrato adormecido do que foi

Frágil carcomido sem sombra

À espera que o Sol o aqueça 

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Encontro

A emoção dum abraço 

O poder das palavras ditas

Um amigo

Um músico 

Um pintor

Uma tarde

Um momento 

Um sorriso

Um amanhã 

Um afinal

Um apenas

Um olá 

Um até sempre 



segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

(In) certeza

 Os meus dias balaçam

Entre a ilusão dum amanhã sensato

E a agonia do mundo

Devastado pela destruição