quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Aqui há gato!

Tive um gato. De pelo luzidio. Bem tratado.
Gordo, bigodes imponentes, chamado Cinzentinho.
Aparentemente independente, nunca me pediu permissão para namorar.
Gostosa e mansamente, arrastava a asa a uma gatinha branca, nossa vizinha. Linda, por sinal, de seu nome Mimi.

Vinha ronronar-me os seus devaneios, os seus segredos, as suas traquinices, os seus amores.
Enrolava-se nas minhas pernas à procura do elemento vivo que o escutava.
Gracioso e amável, fazia questão de não partir os "bibelots" que por ali proliferavam. E eram muitos!

O meu gato e eu.
Eu e o meu amigo, quase irmão.
Companheiro de horas, dias e noites, aos pés da minha cama. Ou no sofá, onde eu também dormia.

No Verão, quando era pequena e ainda fazia a sesta, ele esperava avidamente o meu sono profundo.
Então, encetava estoicamente uma escalada até ao telhado, ponto de encontro com a sua Dulcineia. Às escondidas.
Não queria que eu tivesse ciúme.

Entendia a sua conduta e aguardava, serenamente, o seu regresso.
Com fidelidade e de olhos brilhantes, quando vinha, aninhava-se de novo no sofá ainda quente onde eu me encontrava.
Fazia o retrato do que se havia lá passado. Sem pormenores sórdidos!
Saltava e corria alegremente. Miava de contentamento
Não falava, mas a sua verdade era interminável.
Estava apaixonado. Havia uma gatinha que o amava.
Era correspondido. Que mais podia querer?

Foram muitos anos assim. Três, quatro, cinco, seis, talvez!
Dava gosto vê-lo brincar.
Apenas se zangava e azedava seriamente, quando o molhavam. Deitava as garras de fora e não nos brindava com o seu sorriso franco. Pelo contrário!
Mas depressa lhe passava a zanga.
Escondia-se debaixo da cama e quando reaparecia, mostrava excesso de garbo. Ufano, rabino, elegante e pomposo.

Um dia fugiu de casa, atrás da sua gatinha e o desfecho foi trágico.
Lá ficou o Cinzentinho estendido no asfalto. Morto, atropelado por um carro que nem sequer parou!
A Mimi ficou, certamente, à espera que o seu Dom Quixote a viesse buscar, para enriquecer a sua vida!
Mas ele não iria aparecer mais.
E ela não iria compreender a razão...

8 comentários:

  1. Pelos vistos o teu gato Cinzentinho não teve sete vidas e morreu estripado no primeiro atropelamento anónimo. O facto em si não teria importância, todos os dias morrem insectos, pássaros, quadrúpedes e bípedes que incautamente atravessam a rua ou a estrada, se não fosse ter sido um evento tão marcante na tua juventude. Como lenitivo para o teu desgosto, parte do princípio de que a Mimi rapidamente arranjou outro D. Quixote.

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    1. Claro que sim. Até seria incomum se assim não fosse.
      Apesar do velho adágio dizer " Mais vale só que mal acompanhado" nenhum de nós quer ficar sózinho!

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  2. A avó gostou muito. Nem acreditava que eras tu! 😃 Diz que tens que publicar...

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    1. A avó, já estou a ver, não me tem em grande conta!
      Mas que malandra!!!
      Publicar, como ela diz, gostava mesmo muito.
      Vamos ver!

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  3. Tive uma cadela de nome Nanette. Apareceu depois de muito tempo a pedir aos meus pais. Um dia, cheguei a casa depois da escola e lá estava ela, ávida por afecto. O antigo dono emigrou e deixou-a no canil para enfrentar a má sorte, mas o destino foi outro.
    Era linda, um pelo preto brilhante, perfil de raça collie misturada com pastor alemão, mas mais baixinha. Foi companheira de muitas aventuras. Saudades dela.

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    1. Com uma cadela Nanette, com as características que relatas e com esse histórico de ter sido deixada no canil, de certezinha, que eu já tinha feito um escrito.
      Por que não escreves tu?

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