quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Chovia!

Já foi há tantos anos. Quase duas décadas.
Como o tempo passa, sem escolha, sem darmos por isso.
Universal, comovedor, silencioso.
Veloz, imprevisto, intransigente.
Tempo, apenas, sem data nem hora.
Nem quando, nem como. Apenas tempo!
Entra-nos pelos ossos adentro, acotovela-nos as ideias mais claras, dessintoniza-nos o ainda existente romantismo, prende-nos ao equilíbrio do dia a dia.
Mais uma vez tempo, silencioso, sem darmos por isso.

Chovia torrencialmente, naquele Outubro Lisboeta, numa
" Vernissage" de pintura. Miguel Barbosa, o Artista,
o Mestre.
Comentava-se de tudo um pouco.
Arte, literatura, política, futebol.
As chuvas do Nordeste brasileiro, o sossego do nosso cantinho.

Mas também chovia em Lisboa, torrencialmente, fazia quatro dias. Lembro-me, como se fosse hoje!
Apesar das fortes chuvadas, muita gente estava chegando.
Largavam os chapéus virados do avesso, com varetas partidas e pontas dobradas, à porta da galeria que eu dirigia.
O Mestre, unicamente ele, considerava aquela chuva uma benção.
Dizia, adaptando o velho provérbio, exposição molhada, exposição abençoada.

E assim foram chegando, este e aquele.
Famílias. Pais e filhos.
Colegas e amigos.
Conhecidos e desconhecidos.
No meio já de algum bulício ouviu -se, estrondosamente, um bater de pés.
Alguém fazia anunciar, intensamente, a sua chegada com aquela música inesperada.
Alguém sacudia, inquietamente, os pingos grossos de chuva como quem despreza o gosto de não gostar.

Não havia Sol naquela tarde de Outubro.
Havia apenas o cheiro a alfazema, agarrado aos casacos de Inverno, que teriam sido obrigados a saltar dos armários.
Os avós, atarefavam-se a cuidar dos netos, com medo que mexessem onde não deviam.
Os amigos, contavam histórias calorosas da família, carregadas de recordações.
Os outros, olhavam em redor, à procura de encontrar algo que pudesse vir a tornar as suas vidas mais plenas.

Ele, era um desses.
Procurava pessoas, conversas, perfumes ou qualquer outra coisa que pudesse vir a prender a sua atenção.
Acabou, por chegar, o que tanto ansiava. Percebeu-se!
Nervoso, bateu de novo os pés, em melodia mais suave.
Mas o objectivo não estava a ser alcançado. Havia ali qualquer peripécia que não corria bem.

Quando a sessão acabou, cada qual foi às suas vidas.
Grandes ou pequenas.
Verdadeiras ou falsas.
Legítimas ou ilegítimas.
Eu jantei principescamente, com um amigo que me arrastava a asa.
Ele, teria ido para casa (?) chorar o desgosto da realidade já conhecida.
Até hoje estou para saber, exactamente, o que aconteceu naquele dia. Mas calculo!

E assim passaram quase duas décadas, sem darmos por isso.
Com amor, compreensão, gostando de gostar e principalmente fazendo da amizade uma bandeira hasteada, todos os dias, nos nossos corações.

6 comentários:

  1. Porque será que o "alguém" que te entrou pela galeria a bater os pés gosta tanto disto?

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    1. Não sei muito bem!
      Mas sei que esse " alguém " me disse um dia:
      " ... és o meu último projecto de vida " e eu acreditei!

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  2. Porque será? Eu não sei, mas também gosto disto.
    Não gosto de chuvas torrenciais dias seguidos, mas gosto de romances torrenciais e intemporais :-)

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    1. Gostas? Mesmo?
      Pois eu também gostei do que vi naquele dia, daquilo que escrevi ontem e do que vou vivendo hoje.
      Haja alegria e tolerância. É indispensável!

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  3. Não sei de quem falam ;) mas de certeza que é uma dupla explosiva! Realmente o tempo passa num abrir e fechar de olhos!

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    1. Não há dúvida que a dupla é explosiva.
      Um animal de marrada e outro que pica e lança veneno pela cauda!
      O que se podia esperar?!?!?!
      E o tempo é, na verdade, inexorável!

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