quarta-feira, 23 de novembro de 2016

O freixo amigo

Já vos contei que no largo da minha aldeia, há um coreto e um banco.
O Ambrósio, sapateiro, já não mora nos baixos do coreto.
Partiu, julgo, feliz e habita outro local.
A ver o que por cá se passa. Ou não!?

O coreto, mantém-se inerte e descolorido.
Agarrado à vida, faz um esforço para continuar a ser um lugar de afectos. Mas já ninguém lhe liga!
Nem os poucos carros que ali circulam.
Ninguém sobe ao coreto, para montar a banda.
Ninguém amarinha o coreto, para brincar às escondidas.
Mas no largo da minha aldeia também há um freixo.
Secular, soberbo, frondoso. Simpático e acolhedor.
Curva-se ao peso dos anos e zela por nós, como qualquer crente com os olhos postos no céu.
A circundá-lo, um escasso e artesanal poiso de namorados, onde se sentam novos e velhos, passantes e residentes.
Escuta, com interesse, as estórias que lhe são contadas.
Interpreta, com curiosidade, as maledicências.
Abafa, com vigor, as difamações.
Sente o menear dos rabos sentados naquele cimento mal esculpido, mendigando o aconchego de uma almofada.

Não há centro histórico na minha aldeia, mas há muita história para contar.
O largo, o coreto, o freixo, a praça e a Fonte Santa.
A Casa de Júlio César Machado, a Mata do Caetano, a Quinta dos Carinhas, a Casa dos Ingleses e a Fonte da Mata.

Há pessoas novas a passar, mas não se fixam.
Poderiam ter muitos e bons motivos para ficar, mas partem.
Sempre com alguma razão e intenção de voltar.
Uns, voltam à procura do ar fresco e bucólico da natureza.
Outros, voltam à procura da comida feita pelos amigos.
Do convívio são, que não encontram na cidade.

Então, franqueiam-se as portas à sua chegada.
Põe-se na mesa tudo o que se tem em casa, como quem estende a alegria da presença amiga, embrulhada num repasto.
O pano de quadrados verdes, comprado no mercado mais próximo e rematado com grega, serve de toalha de linho.
Alegremente, anfitriões e convivas, comem, bebem, riem e contam estórias!

No fim da refeição, passeiam até ao freixo, onde fazem uma pequena pausa depois da tomada do café.
Prometem vir, mais vezes, se o tempo estiver de feição.
As fontes e os pinhais, o coreto, a praça e especialmente o freixo amigo, ficam à espera de que alguém venha sentar- se debaixo da sua copa, à procura do conforto privilegiado da sua sombra.

4 comentários:

  1. Com mais de 300 anos qualquer freixo precisa de uma sólida prótese de cimento e pedra para se manter de pé (é também nessa posição que as árvores devem morrer). E com menos de 300 anos qualquer cidadão que viva, passe, pare ou ignore A-dos-Ruivos fica verdadeiramente impressionado com a tua franca hospitalidade e boa amizade.

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    1. É mesmo assim.
      As Árvores morrem de pé. Quando não são arrancadas ao seu destino ou a moléstia as consome.
      Este freixo é especial. Por tudo e tudo!!!
      Ainda bem que continua connosco.
      Ainda bem que posso continuar a receber os amigos.

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  2. O freixe pende sob o peso dos séculos, assim como as oliveiras velhas da terra.Os pinheiros, esses jovens de algumas dezenas de anos erguem-se eretos e firmes sacudindo pinhas e pinhões ao sabor do vento. as árvores dessa terra são como as mulheres, pendem, vergam, abanam com os temporais e ventanias, mas não quebram. Árvores e mulheres, estradas e histórias, tão antigas como o próprio tempo...

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    1. Os vendavais e ventanias da vida fazem-nos abanar, como a todos, mas não nos vergam.
      Mulheres de A-dos-Ruivos. Mulheres dos " Vultos de Pedra ".
      Inabaláveis, fortes (?), decididas, mesmo nos momentos difíceis.
      Preenchem os olhos de quem as vê. Invejam-nas.
      Fazem história no sítio e no tempo.

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