Entra o ano em profusão de pirotecnia. Pelo mundo todo.
Com alegria, segurança reforçada, champanhe, música e dança.
Alienação planetária na sequência dos fusos horários.
Paris, Dubai, Funchal, Londres, Lisboa...
Onde estou, os telhados ecoam canções que sobem no ar por entre as batidas de tampas de alumínio.
A rua, quase deserta, sem carros, sem luz e sem gente, abafa os cacos partidos dos tachos de barro por já não terem uso.
E eu, através da vidraça, olho o ano que agora começa.
Espero que passe manso e sem mossa, com estrelas no céu, homens fortes e braços livres.
Estico as pernas doídas pelo desconforto catastrófico da tosse mas o sono não vem.
Vou fazer como dantes, apesar do rebanho estar esgotado. Deitar-me e contar carneirinhos.
Misturá-los com pirilampos e tentar inventar um estranho equilíbrio entre eles.
Fazer uma manta incomum com os retalhos do dia.
Aconchegar-me com ela e tentar adormecer.
Junto à cama, com indomável coragem e a meu lado , a escuridão procura a minha companhia.
Beija-me sensível, acalma-me os nervos, tagarela baixinho para não a confundir com o dia.
Então, espreguiço-me lânguidamente, como se fosse um gato. Tapo a cara com o lençol, ponho mais roupa à volta das pernas e vou tentar sonhar até ser manhã!
De facto cada vez mais se ouvem menos os tachos e panelas na passagem do ano. Nas avenidas residenciais há pouca gente, porque a humanidade levanta a cabeça aturdida para o artifício dos fogos do planeta, de hora em hora, 24 vezes, até que os sonhos caiam e desapareçam na noite com a girândola final.
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