Era uma adolescente inexperiente.
Alegre, risonha, comunicativa, bem disposta.
Amiga de brincar, cantarolar e dançar.
Bonita e com algo sedutor, ao tempo.
Atrevida e misteriosa.
Tornava-se assim numa personagem querida por todos.
Não tinha maldade e a generosidade era um predicado que lhe era inato.
Familiares, vizinhos, amigos, novos e velhos, letrados e menos cultos, todos repartiam com ela, afavelmente, beijos e abraços ao longo da aldeia.
Quando chegava e quando partia.
Contavam-lhe os seus dramas, procurando nela conforto e incentivo para a resolução dos problemas.
Agradava-lhes que aqueles olhos grandes pousassem nos seus como dois holofotes, e que aquele sorriso, rasgado, lhes proporcionasse a redenção para os seus pecados.
Aquela miúda, magra e bem composta, que ia de Lisboa para a aldeia sempre que havia férias, era sem dúvida uma garota feliz.
De personalidade forte e apaixonada, determinada, por vezes até controversa.
Possuía muitas coisas que não existiam na aldeia.
Entre elas um gira-discos, onde os pequenos vinis ( Elvis Presley, Paul Anka, Pat Boone e outros ), rodavam ao domingo à tarde, sem parar.
Na casa da Albertina.
Devoluta, na rua de seus avós que, com a influência prestimosa de seu pai, lhes foi emprestada para esse fim.
Foi uma fase importante da sua vida.
Ali se juntavam rapazes e raparigas, daquela e de outras aldeias, para passar as tardes de domingo.
Chegava a ser obsessiva a ideia da chegada do domingo à tarde.
Ela, queria estar lá e ser a anfitriã!
Reforçava laços de amizade entre todos.
Assim nasceu uma tertúlia, num tempo risonho, sem dramas nem complicações.
O tempo rolava e a casa da Albertina adquiria a tendência natural de alcançar o seu auge.
No pico máximo da sua existência, apareceu um bonito rapaz, de olhos verdes que depressa se apoderou de amores pela rapariga e aí começou a nascer um mundo de mudança.
Começava a dizer-se adeus aos tempos de antes.
Ele, era muito ciumento. De tudo e de todos.
Ela, já não podia ser a jovem alegre e comunicativa de antigamente.
Os domingos estavam a morrer na casa da Albertina porque os dois, eram então, namorados!
A adolescente combativa viu, passados dois ou três anos, o desmoronar da casa onde tantas horas tinha vivido alegremente.
Deu a notícia aos amigos que, tragicamente, encararam a realidade.
Acabou-se, não há mais tardes de domingo!
Ficaram fulminados com a notícia.
Cada um teria que encontrar novo caminho, nova diversão.
Os dois namorados continuavam mas ele ia pagando o preço amargo do seu ciúme doentio!
Ela, continuava a olhar o mundo com olhos de uma esperança arrepiante.
Esperava, até, convictamente, que o namoro acabasse.
E assim foi, um belo dia em Lisboa teve o seu término.
Sem solenidade. Sem enfatismo. Naturalmente.
Em Dezembro passado, teve conhecimento que o gira-discos continua lá na aldeia, na posse de um primo bêbado que, sem álcool, lhe prometeu devolver-lho!!!
Muitos anos mais tarde, em Lisboa, encontrei no meu caminho a rapariga dos holofotes no olhar e do sorriso rasgado e, inebriado de tanta luz, fiquei ofuscado no proscénio, à espera da minha entrada, neste blogue.
ResponderEliminarMuito gira a história. A mim parece que a rapariga ainda por lá anda...
ResponderEliminarA rapariga, de facto, ainda anda por lá.
EliminarUm bocado " empenada " mas a essência está lá toda.
Principalmente a generosidade!💝
Espero que o primo bêbado ou sóbrio devolva o gira discos e o lp do Johnny Cash.....Adorei o texto Nazaré!Uma beijoca!
ResponderEliminarCom esta maldita pneumonia não voltei a ver o primo.
EliminarNem bêbado, nem sóbrio!
Mas não vou esquecer. O gira-discos tem que vir para o lado de cá, podes ter a certeza.
Bjos e obrigada.