quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

" Estes Assuntos TRISTES "

Vamos acabar o ano com luzes a piscar nos nossos corações.
A árvore de natal, os enfeites de rua, os olhos a brilhar.

A esperança apodera-se de nós, na crença de que a paz no mundo possa deixar de ser apenas virtual.

Vamos, todos, tratar os vivos mais cuidadosamente.
Vamos, todos, cuidar da floresta com mais rigor.
Vamos, todos, olhar para os oceanos com mais respeito.
Vamos, todos, andar pela terra com mais responsabilidade.

Inventemos um cocktail que a todos mate a sede.
Um alimento que a todos mate a fome.
Uma esperança que a todos encha o coração.

Entremos neste novo ano a economizar recursos.
Estendamos uma mão amiga aos que mais necessitam.
Sintamos que a humildade e o altruísmo nos podem levar ao caminho da quase perfeição.

Vamos lá pessoal, olhar para " Estes Assuntos TRISTES" com sensibilidade tal como Daniel Gonçalves faz na sua poesia!
Sentir que as palavras ditas com intenção, trilham o seu caminho próprio e ganham uma rota com destino.

Talvez valha a pena insistir.
Mais e mais.
Até que a voz nos doa.
Até que a caneta sangre no papel.
Até que a nossa esperança esmaecida não acabe inerte no deserto.
Até que o mundo avance sem escuridão, sem terror, sem pudor de virar o ciclo.

Quando a motivação, a alegria e a esperança deixarem de existir dentro de nós, então sim, morreremos todos mais rapidamente.

Bom Ano!

Devassa

É dia.

Deixa-me tactear o teu corpo, todo, canto por canto, para o conhecer melhor, como se a catarata e o sol me toldassem a vista.

Até ser noite!

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Natal

Tanto Natal, tanta coisa, tanto peso.
Tanta pressa, apenas p'ra passar o Natal. Rápido.
Todos querem ultrapassar a muralha. Velozmente.
Correndo ao lado da vida.
Maratona que só acaba quando tombarmos de cansaço!
Porquê, se afinal o Natal é amor?
É vida, é poesia, é música, é entretenimento, é surpresa, é superação!

Doces, bebidas, comidas e mais doces. E torta de laranja! Até fartar de tanto lamber.
Rabanadas, bolo rei, uma lampreia esquecida e torta de laranja!
Tudo a fugir-nos pela língua abaixo, como lastro, rendidos à caminhada que ainda agora começara.

Tanta azáfama, aglutinada num fim de semana, como se o Natal acabasse amanhã.
No parco lençol do ribeiro, que corre ao cabo do Carreiro do João Martins. Porque o tempo é de seca!

Éramos dezasseis à mesa.
Com alegria, as crianças.
Com alguma nostalgia, os idosos e os doentes.
Com presença, os que nem sequer lá estavam.
Com satisfação, todos.

Comemos e bebemos. Muito.
Bacalhau, perú e roupa velha. Tradição do Oeste.
E enquanto se degustava a refeição, as palavras ecoavam pelas paredes vazias, fazendo crer que tudo aquilo que se dizia e contava era pura verdade!
Foi uma consoada abençoada. Sem altercações, sem impropérios, sem conflitos. Na paz do Senhor.

À hora dos presentes, a serem distribuídos por uma pré - adolescente excitada, foi o delírio total.
Ouviu-se um Pai Natal, mal embrulhado em vestes vermelhas.
Um sino sem badalo, que fazia o seu serviço empurrado por um velho garfo.
E um " ho, ho, ho " do velho das barbas brancas, que se evadia pela chaminé da lareira que nunca fumou.

Todos estavam contentes. Uns mais que outros.
Todos faziam o seu papel naquele palco, onde as personagens não se podiam enganar.
Cantava -se o amor e a amizade.
Uma, duas vezes e seguiam-se mais presentes.

Cansados, fomos descansar até o dia seguinte, onde o perú nos queria fazer uma partida.
Não podia sair de casa sem a fatiota castanho dourado, que tinha sido encomendada, a propósito, para o evento natalício!
O alfaiate, por fim, lá fez um esforço derradeiro.
Conseguiu aprontar o perú que se mostrou razoável, como obriga a tradição!

Mais comida, mais bebida. Muita.
Para desmoer, alguém pensou em dar uma passeata até ao moinho do Toneca. Relíquia bem cuidada pelo moleiro.
Todos aderiram com vontade ou sem vontade.
E lá fomos até aos altos da aldeia.
Soprava um vento cortante que nos abanava mas o sol beijava-nos os cabelos e, em sussurro, convidava-nos a permanecer.

Algo nos fazia lembrar que no amanhã já não havia Natal.
Era outro dia, sem originalidade, sem efeméride, sem turbulência.
Com sol ou com frio.
Com luz ou sem ela. Quem sabe?
Com vontade de darmos uso ao Natal de sempre.
O Natal de todos os dias.
Com AMOR, para nosso conforto.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Chovia!

Já foi há tantos anos. Quase duas décadas.
Como o tempo passa, sem escolha, sem darmos por isso.
Universal, comovedor, silencioso.
Veloz, imprevisto, intransigente.
Tempo, apenas, sem data nem hora.
Nem quando, nem como. Apenas tempo!
Entra-nos pelos ossos adentro, acotovela-nos as ideias mais claras, dessintoniza-nos o ainda existente romantismo, prende-nos ao equilíbrio do dia a dia.
Mais uma vez tempo, silencioso, sem darmos por isso.

Chovia torrencialmente, naquele Outubro Lisboeta, numa
" Vernissage" de pintura. Miguel Barbosa, o Artista,
o Mestre.
Comentava-se de tudo um pouco.
Arte, literatura, política, futebol.
As chuvas do Nordeste brasileiro, o sossego do nosso cantinho.

Mas também chovia em Lisboa, torrencialmente, fazia quatro dias. Lembro-me, como se fosse hoje!
Apesar das fortes chuvadas, muita gente estava chegando.
Largavam os chapéus virados do avesso, com varetas partidas e pontas dobradas, à porta da galeria que eu dirigia.
O Mestre, unicamente ele, considerava aquela chuva uma benção.
Dizia, adaptando o velho provérbio, exposição molhada, exposição abençoada.

E assim foram chegando, este e aquele.
Famílias. Pais e filhos.
Colegas e amigos.
Conhecidos e desconhecidos.
No meio já de algum bulício ouviu -se, estrondosamente, um bater de pés.
Alguém fazia anunciar, intensamente, a sua chegada com aquela música inesperada.
Alguém sacudia, inquietamente, os pingos grossos de chuva como quem despreza o gosto de não gostar.

Não havia Sol naquela tarde de Outubro.
Havia apenas o cheiro a alfazema, agarrado aos casacos de Inverno, que teriam sido obrigados a saltar dos armários.
Os avós, atarefavam-se a cuidar dos netos, com medo que mexessem onde não deviam.
Os amigos, contavam histórias calorosas da família, carregadas de recordações.
Os outros, olhavam em redor, à procura de encontrar algo que pudesse vir a tornar as suas vidas mais plenas.

Ele, era um desses.
Procurava pessoas, conversas, perfumes ou qualquer outra coisa que pudesse vir a prender a sua atenção.
Acabou, por chegar, o que tanto ansiava. Percebeu-se!
Nervoso, bateu de novo os pés, em melodia mais suave.
Mas o objectivo não estava a ser alcançado. Havia ali qualquer peripécia que não corria bem.

Quando a sessão acabou, cada qual foi às suas vidas.
Grandes ou pequenas.
Verdadeiras ou falsas.
Legítimas ou ilegítimas.
Eu jantei principescamente, com um amigo que me arrastava a asa.
Ele, teria ido para casa (?) chorar o desgosto da realidade já conhecida.
Até hoje estou para saber, exactamente, o que aconteceu naquele dia. Mas calculo!

E assim passaram quase duas décadas, sem darmos por isso.
Com amor, compreensão, gostando de gostar e principalmente fazendo da amizade uma bandeira hasteada, todos os dias, nos nossos corações.